Por Marcello Veríssimo 

Ela é um ícone da representatividade LGBTQIA+ do Litoral Norte de São Paulo. Mulher transexual, Thifany Félix, 51, nascida em Ubatuba, é uma das representantes mais dedicadas a buscar políticas públicas para melhorar a qualidade de vida desta comunidade nas quatro cidades do litoral, principalmente em Caraguatatuba, onde mora.

Desde 2016, ocupa a presidência do Fórum LGBT do Litoral Norte Paulista, movimento social em que atua pelos direitos de gays, lésbicas, travestis/ transexuais e demais gêneros e sexualidades fluídos na região. Nos últimos cinco anos, Thifany reconhece que a comunidade obteve muitas conquistas por dignidade, respeito e igualdade social. Mas, para ela, desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, viver no Brasil, especialmente para as chamadas minorias sociais, está sendo mais difícil do que o habitual, isso também inclui o Litoral Norte. “Se compararmos a década de 80 e 90 com nossa realidade atual, para nós, parece que estamos voltando ao passado, complicou bastante. Depois da eleição do presidente, muitos preconceitos velados vieram à tona. Pessoas que diziam gostar e nos respeitar no passado, até 2017, hoje são capazes de atrocidades que a gente nunca imaginou”, diz ela, referindo-se ao fim de relacionamentos, término de amizades, briga com familiares, desemprego, violência, entre outras situações que ferem os homossexuais, principalmente travestis e transexuais, simplesmente por existirem.

Mas Thifany não desanima. Ela sabe que a homossexualidade e a transexualidade não são uma doença, nem aberração e que, a sigla LGBTQIA+, é uma nomenclatura de inclusão em todo o mundo, uma luta social. “Na década de 80, eu ainda não era uma mulher trans assumida, era um gay e já sentia discriminação. Quem viveu naquela época sabe que mandavam matar somente por não gostar e nós vivíamos com medo de tudo, não existiam políticas públicas nem nada que nos defendesse”, ela relembra.

Na linha do tempo traçada por Thifany Félix, já na década de 90, a pauta LGBT obteve mais visibilidade e atenção, porém, ainda sofrendo discriminação e sendo alvo de atos violentos. “Na primeira década do ano 2000 sentimos que a situação realmente melhorou com a ajuda do STF, que proporcionou vivermos com um pouco mais de conforto ao aprovar a criminalização da homofobia e regularizar o casamento homoafetivo e na década seguinte, assuntos que nunca tinham passado pela Câmara dos Deputados”.

Com isso, a partir da década de 90, na visão de Thifany, ser gay, lésbica ou bissexual passou a ser “mais normal”, como diz a própria Thifany. “Não quero dizer que estamos bem, assim como outros segmentos também não estão bem. Mas de lá pra cá nós melhoramos, principalmente lésbicas, gays e bissexuais. Conseguimos dizer quem somos, que ocupamos espaços e ninguém pode dizer o contrário, na década de 80 nem isso era possível”.

Porém, a letra T, que inclui travestis e transexuais, identidade a qual Thifany Félix se identifica, ainda continua estagnada. “As travestis e transexuais permanecem na margem da sociedade, no caos, desemprego, sem qualquer equidade, acabando nas ruas, entregues à prostituição.”, diz ela, que destaca a falta de oportunidades para as transexuais estudarem, por exemplo. Cenário que melhorou após a aprovação do decreto de lei do nome social no estado de São Paulo, que possibilita o direito destas pessoas utilizarem o nome pelo qual se identificam no ambiente escolar, entre outros. “Mesmo assim, por ser decreto, nem todas as escolas respeitavam. Hoje, torno a dizer, graças ao STF, podemos retificar nossos nomes e sexo, garantindo a nossa dignidade”.     

População – Thifany diz que a luta por direitos igualitários continua todos os dias sem prazo para acabar. Ela reconhece que, apesar dos avanços, grande parte dos transexuais brasileiros não tem acesso ao emprego formal, com carteira assinada. “Para elas, o único meio de subsistência é na esquina ou por meio de subempregos”.  

Uma pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) comprova o alerta da presidente do Fórum LGBT do Litoral Norte Paulista. De acordo com o estudo, apenas 10% dessa população tem carteira assinada, os outros 90% buscam a prostituição para conseguir se sustentar. “É aí que entra o trabalho do fórum. Nós tentamos um diálogo com nossas autoridades para acolher essa população”.

Um dos grandes dilemas da população LGBTQIA+ é a tão comentada “saída do armário”. Thifany diz que por essa razão não existem estatísticas oficiais sobre a quantificação exata da comunidade nas quatro cidades do Litoral Norte de São Paulo. “Das que já se declaram abertamente, aproximadamente 30% da população do litoral norte é LGBTQIA+”.

Empatia – Thifany acredita que é preciso mais empatia com a causa e a comunidade. Ela diz que a sexualidade e o gênero de cada um é pessoal e não diz respeito a mais ninguém. Para ela, a região do litoral norte, que inclui São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba não discrimina e nem menospreza a comunidade LGBTQIA+. “Não acredito que o litoral norte paulista tenha homofobia a este ponto. Falta informação, esclarecimento dos nossos gestores”. “Enquanto não se equalizar todo o histórico das travestis e transexuais, nós estaremos sim vivendo a margem da sociedade”.