Vamos tomar um café de garapa?
É no Chão Caiçara, ou na loja mais diversa e colorida da cidade, que você encontra o caiçara raiz Nelson dos Santos, o Seu Nicinho, artesão, pescador, funcionário público aposentado que, aos 74 anos, se dedica ao entalhamento de peças em caixeta e ao atendimento do seu público, na maioria turistas que sempre voltam ao seu espaço de cultura, arte e comércio, situado no bairro de Barequeçaba.
Ali, naquele lugar encantado, na beira da SP55, em São Sebastião, repleto de flores, passarinhos de todos os tamanhos, frutas, peixes de todas as cores, peças de uso culinário e de decoração, você pode tirar um dedo de prosa com Seu Nicinho, ouvir histórias do seu tempo de menino e ainda saborear um delicioso café de garapa, feito por ele, no fogão de lenha, com caldo de cana de açúcar, no meio da arte inventada que ele aprendeu a fazer sozinho.
Casado há 50 anos com Dona Vera Lúcia, e pai de quatro filhos, Seu Nicinho é filho e neto de caiçaras e nos revela que abriu as ruas do Barequeçaba com mais 14 amigos, todos enfrentando cobras e marimbondos. Depois eles plantavam bananas e retiravam as plumas e a caixeta que, na época, eles levavam para Santos de onde eram exportadas para as fábricas de Portugal, onde faziam tamancos.
Transporte não havia na época e para concluir o ginásio, os meninos iam e voltavam todos os dias, a pé, para o centro, onde ficava situada a Escola Henrique Botelho. A longa caminhada era feita sem preguiça alguma e ainda hoje é uma alegria para ele, encontrar os colegas de escola na fila de pagamento dos Bancos da cidade, momento em que podem relembrar dos bons tempos de caça e pesca farta, farinha de mandioca feita em casa e do plantio de arroz, feijão e café.
Sente saudades das suas irmãs e irmãos quando trabalhavam juntos e ajudavam a sua avó na roça depois que voltavam da escola. A diversão no final de semana era garantida pela companhia dos amigos e amigas que iam ao Baile do Tipiti, evento que atravessava a madrugada. Os rapazes só poderiam participar se trouxessem suas damas para dançar as cirandas e fandangos caiçaras das décadas de 50/60.
Trabalhou na Prefeitura Municipal de São Sebastião durante 22 anos e ao se aposentar, começou o artesanato de gaiolas e entalhe de caixeta, hoje matéria prima escassa. A falta do manejo e a proibição do uso da madeira que há algum tempo era vista em larga escala pelos manguezais da cidade, tem trazido prejuízos à cultura tradicional e levado esta arte para outras cidades.
Seu Nicinho é Mestre da Cultura Caiçara e recebeu o prêmio da Secretaria da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Mestres da Cultura Popular, em 2018, edição Selma Coco, pela Transmissão do Saber da Cultura Caiçara. Mantém as atividades da transmissão dos saberes com a colaboração do seu filho Lindomar que o acompanha e dá suporte às oficinas de artesanato e do café de garapa que acontecem tanto na loja como no espaço Chão Caiçara, ambos em Barequeçaba. Participam também dos eventos que acontecem na cidade e no Litoral Norte.
Para Seu Nicinho, é preciso dar mais atenção aos artesãos da cidade e criar mecanismos no governo, para aumentar o plantio da caixeta e, desta forma, fomentar a produção do artesanato caiçara. Se o governo não regulamentar o manejo para produzir caixeta e continuar proibindo a retirada desta matéria prima tão necessária para a produção do artesanato local, sem nenhuma contrapartida, os jovens perderão o interesse em aprender a arte local, que é reconhecida mundialmente, e deixarão de ter um incentivo de grande valor para o futuro.
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