Precariedade no tratamento do lixo, contaminação e má gestão ambiental preocupam em São Sebastião
Por Marcello Veríssimo
A sociedade civil organizada em parceria com especialistas, ambientalistas, representantes do PEA (Programa de Educação Ambiental) do Porto de São Sebastião e Costa Verde da Petrobras, se reuniram na última semana de julho para formalizar suas conclusões sobre a 1º Expedição Educacional ao Córrego Mãe Izabel, realizada no dia 20 de julho. A ação faz parte de uma série de iniciativas, como condicionantes, que surgiram em decorrência do plano de dragagem do porto sebastianense. Em janeiro deste ano, teve início a 2ª fase do PEA. As reuniões acontecem periodicamente por meio do Google Meet, aplicativo que permite chamadas de vídeo com até 100 pessoas, por até 60 minutos gratuitamente.
De acordo com os ambientalistas, os relatórios desta ação vão contextualizar a realização de campanha de conscientização ambiental contra o descarte irregular de lixo originário de ações na terra e no mar. A expedição ocorreu durante uma caminhada que começou na junção das nascentes do córrego até sua desembocadura na parte norte do mangue, em um trajeto com mais de três quilômetros. “Na 1ª fase, o Araçá não estava incluído neste programa. Em contato com as comunidades, o PEA estabeleceu a realização do monitoramento ambiental comunitário”, dizem os especialistas.
Após o contato com representantes da comunidade, os especialistas entenderam que a participação dos moradores é de extrema importância para a criação de políticas públicas, campanhas educativas, que melhorem a infraestrutura e a qualidade de vida na região. “A comunidade nos disse que quem entende dos problemas daquele território são eles que moram lá. Nós ajudamos com relatórios, traduzindo informações”.
Humberto Sales, um dos representantes da comunidade do Varadouro, conhece bem esses problemas a que os ambientalistas se referem e com os quais convive “desde que se conhece por gente”, como ele mesmo diz. Caiçara nativo, nascido e criado em São Sebastião, ele diz que, ao longo dos anos, são feitos diversos estudos e os danos ao meio ambiente permanecem. “Os problemas ficam lá. Temos que agir em conjunto para pedir providências ao Ministério Público, ao Ibama e à nossa prefeitura”.
Humberto ainda cita o chorume que é despejado dentro do mar ao lado da área da empresa de lixo, conhecido por Beco do Urubu, na foz do Córrego Mãe Izabel, um dos pontos em que usuários de crack se reúnem na região central, que fica quase na entrada da Topolândia, sem fiscalização, além do emissário submarino, velho conhecido da comunidade, entre outros fatores. “Tudo contribui para ficar pior. O problema é grande e gera uma reação em cadeia”, completa Humberto, que é favorável à realização de campanhas educativas à comunidade.
A comissão da comunidade conta com representantes da área que envolve o mangue do Araçá; unindo moradores da Topolândia, do Centro, Pitangueiras até a praia do Guaecá. O mangue do Araçá é de extrema importância para todo o sudeste brasileiro por ser berçário de inúmeras espécies marinhas, entre elas o camarão rosa, que procria no Canal de São Sebastião. De acordo com os moradores, o mar se tornou um grande receptor de lixo, incluindo o descarte por embarcações. “Chegamos ao fundo do poço. Ou a gente se afoga ou toma jeito”, eles alertam.
Os manguezais precisam ser preservados porque influenciam no combate às mudanças climáticas e na preservação da biodiversidade. Mas não é isso que, na prática, acontece no Araçá e seu entorno. Fotos, vídeos e áudios que circulam por aplicativos de mensagem aos quais o Bandeirante obteve acesso,revelam a situação de calamidade em que se encontra o Araçá e seus arredores. “Uma quadra de esporte, um açougue, o Cras, mais a frente duas escolas, creche e esse fedor. Como as crianças que estudam aqui vivem? Isso é gás podre. O mau cheiro é gás e é um gás contaminante, que acaba com a sua saúde. Tudo errado!”, diz Izaneide Sales dos Santos, pintora e trabalhadora rural, moradora do Araçá.
O biólogo marinho, Felipe Postuma, que atua no departamento de Pesca da Prefeitura de São Sebastião, acompanha o andamento das reuniões, mas diz que não pode emitir um posicionamento oficial sobre o assunto. Postuma diz que sua participação é com relação para viabilizar a construção do rancho de pescadores do Araçá, entre outras questões relacionadas ao que acontece no mar.
Realidade Perturbadora – Outra realidade perturbadorapara os moradores nos arredores do Araçá, além da poluição ambiental, é a chamada “área de contaminação do Itatinga”, um dos bairros mais populosos de São Sebastião, que integra o complexo dos bairros da Topolândia, na região central do município. O caso é um antigo conhecido de autoridades públicas, da Petrobras, Cetesb, Ministério Público e também da população. Os resíduos apareceram em 2006 e, desde então, moradores apontam os impactos na saúde e alguns tiveram que sair de suas casas.
De lá para cá, quem vive na região convive com diversos rounds referentes ao problema. Em 2019, por exemplo, a Petrobras pagou R$ 7,5 milhões à Cetesb pela contaminação por resíduos de petróleo. O pagamento é parte das exigências do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que foi assinado entre a empresa e o MP pela recuperação da área.
Além da quantia, o Bandeirante apurou que a estatal teria que executar um plano de remediação na área isolada, projetos sociais na região para tentar minimizar os impactos do transtorno, além de estudos sobre os efeitos da exposição dos resíduos aos moradores, entre outras ações. Mas pouco ou quase nada foi feito até agora.
A Área – Evaldo Pereira, um dos representantes da comunidade mais conhecedor do caso, mora em frente a área contaminada, de aproximadamente 15 mil metros quadrados, no polígono entre as ruas Tancredo Neves, Júlio Prestes de Albuquerque, Benedito Pedro dos Santos e a avenida Itatinga. Ele convive com os transtornos causados pela contaminação de perto. “É o bairro do Itatinga inteiro, desde o Centro Josiane Pereira dos Santos até a Rua Júlio Prestes de Albuquerque”, explica o morador.
Caminhando com ele pelo local, pode-se entender mais sobre o assunto. A área é formada por dois terrenos com uma pequena elevação, separados por uma região de várzea, onde existe um córrego, que também deve estar comprometido.
Ambientalistas dizem que o curso-d’água contaminada é um dos afluentes do córrego Mãe Izabel, citado no início desta reportagem, que deságua na Baía do Araçá, o principal ecossistema de mangue do Canal de São Sebastião. À época, o então secretário municipal de Meio Ambiente, Téo Balieiro, disse em entrevista que somente com mais investigações seria possível apontar com precisão o tamanho da área afetada. Em agosto de 2006, a Petrobras realizou uma análise no ar em 62 casas no entorno da área de maior risco, em dois outros pontos do bairro e em mais seis no centro de São Sebastião.
Naquele ano, segundo o estudo, foi descartada a presença de agentes químicos (como benzeno, tolueno e xileno). Ainda de acordo com a Petrobras, também foram feitos exames laboratoriais, no Brasil e na Itália, que afastaram a possibilidade de efeitos negativos na saúde humana.
Mas até hoje, em 2021, os moradores contestam essa versão e dizem que os efeitos dos reagentes químicos desencadearam uma série de transtornos para a saúde de quem vive no local. “É um cheiro de borra insuportável que vem. Não tem escapatória, não tem como filtrar, é um produto químico, é volátil. Pensa em veneno de rato, se jogar chumbinho dentro de uma água e tirar, o que aconteceu com água? Fica contaminada, mata do mesmo jeito”, analisa Evaldo Pereira, que diz ainda tratar-se de omissão da Petrobras e outras autoridades. “Os promotores dizem que não são técnicos e o que eles [a Petrobras] disserem que é, é e não podemos fazer nada, então o que a promotoria está fazendo?”, ele questiona. O caso Itatinga, como é conhecido, é considerado uma das maiores contaminações pela Petrobras no estado de São Paulo. “A Petrobras parece que não aceita que contaminou os moradores, o bairro, o solo e subsolo mesmo com análises e estudos, feitos pela própria Cetesb, mostrando que sim”, completa Evaldo. Ele também diz que, com base em uma nova decisão judicial, foi determinado a realização de uma nova análise da Cetesb no local. “O que está acontecendo? Em 2016, eles informaram que a área estava contaminada e até hoje nada. Vamos ver o que a Cetesb vai falar agora”.
Evaldo Pereira acredita que seria preciso um estudo feito por instituições sérias e importantes, como a USP, para propor uma solução definitiva para o caso. “Esse material é cancerígeno! Tem muita gente contaminada, mais de 40 pessoas já perderam a vida por essa contaminação. Foi daqui? Não foi, mas a semelhança é muito grande. Os moradores que morreram com leucemia mieloide, problemas no cérebro, neoplasias, é muita gente em um lugar só. Elas morrem com os mesmos problemas de quem trabalha em petrolíferas, intoxicação por benzeno. Eu moro em cima de uma área contaminada. Há 1 quilômetro de distância, no Mirante do Itatinga, também havia pessoas passando mal. O bairro inteiro está contaminado. É um crime ambiental em cima do outro”, alerta Evaldo, que diz ainda ter feito exames que comprovam sua intoxicação por benzeno.
Apesar de conhecer o problema e sentir os efeitos na saúde, a população ainda fica receosa em conversar com a imprensa sobre o assunto. Só concordam em falar quando confiam e possuem certeza que não temos relação com a Petrobras ou qualquer ligação com o governo. “Esse problema não pode ficar parado. A Petrobras pegou as melhores áreas de São Sebastião e contaminou outras, essa responsabilidade não pode ser tirada da empresa, pois é dela sim! Mesmo sendo outras pessoas que transportaram (o material da Petrobrás), as pessoas que morreram, que estão doentes e as que ainda vão ficar doentes é culpa dela sim e ela tem uma responsabilidade sobre isso. Não pode ficar parado do jeito que está”, diz Izaneide.
Morador no Itatinga há 20 anos, o sapateiro José Paulo é outro que diz sentir os efeitos da área contaminada em sua saúde. “A poluição incomoda, aqui não conseguimos nem trabalhar quando estão mexendo na área. O cheiro é forte, lacrimeja os olhos, provoca náusea e dor de cabeça forte”. “Ninguém aguenta o cheiro do gás, várias vezes tem pessoas passando mal, temos que chamar a polícia e socorro, quem socorre as pessoas passando mal são os próprios moradores”, diz José.
O comerciante Jonatan Misael, que mora no bairro há 4 anos, também diz sentir mau cheiro forte com frequência. “As pessoas reclamam muito de fadiga, dor de cabeça, nos arredores sempre tem alguém passando mal por causa dos poluentes, inclusive minha esposa também já sentiu alguns sintomas”.
Sem Resposta – A dona de casa Solange de Campos, moradora no Itatinga há 30 anos, também sentiu na pele os efeitos da área contaminada perto de sua residência. Com muito pesar, ela diz que sua mãe faleceu em 2004 vítima de infarto fulminante. “Em 2006, meu pai manifestou câncer na cabeça. Lembro que começaram a aparecer resíduos pretos do solo. É muita coincidência”, diz a moradora, que, por diversas vezes, pediu à Petrobras para realizar análises do solo. “Como que foi feito? Na minha casa nunca entraram e disseram que neste ponto da rua não precisa”. De 2006, após a descoberta da contaminação, até agora a moradora conta que pelo menos 12 pessoas vizinhas faleceram de infarto ou câncer pela rua. “Há poucos meses fizemos um novo pedido para a Petrobras vir analisar o solo, plantamos aqui no nosso jardim, estamos comendo, mas eles responderam dizendo que não pois já foi tudo analisado, que não estamos na área vermelha”. Ela conta que, principalmente do lado esquerdo, onde acontecem as escavações, seu imóvel está “com rachaduras imensas em colunas de sustentação, está tudo rachado, sempre na direção da escavação”. “Minha lavanderia também está rachada, os azulejos estão se deslocando”, diz ela, que, inclusive, também já reformou a estrutura da coluna que está rachando.
Solange conta que ainda hoje sofre com infecção urinária, faz exames trimestrais e espera que o problema seja resolvido definitivamente. “Não sabemos onde vivemos. Nas reuniões realizadas, muita gente disse que sofre doenças decorrentes da contaminação, como o câncer, além dos falecimentos. Sabemos que na rua moram pessoas de idade, mas morreram de 12 a 15 pessoas praticamente da mesma causa”, ela analisa.
O que dizem os citados – Em um documento datado de 2014, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) reconhece a realização de ações de gerenciamento e remediação da área contaminada do Itatinga no Termo de Compromisso firmado com o Ministério Público Estadual. De acordo com a companhia, foi realizada a Investigação Confirmatória Estendida com início nos imóveis da rua Júlio Prestes de Albuquerque, nº 41 e 45. Dois anos depois, em fevereiro de 2016, a Cetesb solicitou o diagnóstico em alguns imóveis específicos para atender reclamação de morador vizinho à área em remediação, que observou em seu terreno a ocorrência de resíduo oleoso. “Esta investigação ocorreu no limite do que foi a antiga área aterrada, na transição para as áreas de extração de rochas como material de empréstimo. A ausência de resíduos em sondagens muito próximas, sugere que estas ocorrências apresentam dimensões milimétricas a centimétricas com distribuição restrita e são, provavelmente, resultantes da remobilização do material durante o aterro da área”.
Ou seja, segundo a Cetesb, as análises clínicas indicaram a presença de naftaleno acima do valor de intervenção em 3 pontos nos dois imóveis investigados com concentrações de até 11,15mg/kg. “As ocorrências de naftaleno no solo também se apresentam de forma pontual e continua”. Na época os trabalhos de amostragem do solo ocorreram entre 12 e 15 de abril de 2016. Questionada se existem novas informações sobre o assunto, a Cetesb não se manifestou.
Em outro documento que o Bandeirante teve acesso, Flávio Barbosa Bezerra, então coordenador de passivos ambientais da Petrobras, comunicou Nicanor Barros Maia, na época gerente da agência ambiental da companhia em São Sebastião, sobre a investigação e que o resultado dos estudos foi comunicado aos moradores. A Petrobrastambém não se pronunciou.
O Porto de São Sebastião informou em nota que a preservação do meio ambiente é uma prioridade em suas ações. Entre as ações, que visam sua conservação, a nota diz realiza do Programa de Gerenciamento de Resíduos Sólidos – PGRS, cujo objetivo é estabelecer os procedimentos para o tratamento dos resíduos, abrangendo diferentes etapas do gerenciamento, desde o acondicionamento, transbordo, transporte, segregação e armazenamento até a pesagem, controle e inventário dos resíduos gerados nas instalações administrativas e operacionais no porto, incluindo aqueles gerados em embarcações com vistas à prevenção da poluição e a saúde e segurança dos trabalhadores.
O porto ainda possui o Programa de Educação Ambiental – PEA para disseminar a prática e o conhecimento técnico da preservação do meio ambiente às comunidades locais, principalmente, a portuária, para que adotem e pratiquem o que é preconizado em nossos programas de preservação ambiental. Ainda de acordo com o porto, essa contribuição do PEA é realizada de forma didática, por meio de atividades como: campanhas em datas comemorativas, diálogos com os colaboradores, impressos educativos, palestras dinâmicas, reuniões de esclarecimentos, workshops, instalação de contentores para resíduos especiais (bitucas, pilhas e baterias, etc..), mutirões de limpeza e parcerias com entidades ambientalistas, poder público e instituições de ensino para realização de campanhas com o público externo.
O porto também diz que na atividade de dragagem de manutenção, optou-se pela deposição do material dragado em um dique construído na área interna do porto, visando reduzir o impacto ambiental que poderia ocorrer, caso esse material fosse lançado em área marítima como é feito em outros portos.
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