Pescadora de Ilhabela participa de encontro regional sobre direito de comunidades tradicionais
O Litoral Norte é marcado pelo encontro da Serra do Mar com o oceano e essa ligação com a Mata Atlântica e os ecossistemas marinhos resulta em alta diversidade biológica, estendendo-se sobre uma área estreita, com inúmeras praias entre esporões rochosos que avançam para o mar e onde se encontram 41 ilhas , 16 ilhotes e 14 lajes. Os três setores em que se subdivide essa APA para efeitos de gestão cobrem distintas formações, sendo um deles o município arquipélago e Parque Estadual de Ilhabela.
A maior das ilhas desse arquipélago, a de São Sebastião, tem mais de 80% de seu território protegido, é onde se localiza a sede do município e conta ainda com diversas comunidades caiçaras. As outras comunidades estão nas Ilhas de Búzios e de Vitória e, a partir da criação desta APA, podem ter seu local de pesca sob a fiscalização contra a pesca de arrasto por parelhas de embarcações..
A conservação ambiental e o respeito ao modo de vida de povos e comunidades tradicionais foi tema do Encontro Regional sobre Direito de Povos e Comunidades Tradicionais em Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, promovido pelo Observatório Litoral Sustentável no dia 7 de julho, em Guaraú, Peruíbe. O objetivo do evento foi debater as dificuldades enfrentadas pelas comunidades que vivem em áreas protegidas – relacionadas à impossibilidade de plantar e pescar por estarem em locais de preservação.
Diversos moradores de comunidades tradicionais localizadas nas cidades de Peruíbe, Iguape, Cananeia, e Ilhabela participaram do evento totalizando cerca de 60 pessoas, entre moradores, gestores de parques e representantes de fundações e universidades .
Durante os depoimentos, os moradores evidenciaram o medo e a incerteza do futuro das comunidades, principalmente após deputados estaduais terem aprovado, em 7 junho, o projeto do governo Geraldo Alckmin, que concede à iniciativa privada 25 parques paulistas por um período de até 30 anos.
Moradora da Ilha dos Búzios há 54 anos, em Ilhabela, a pescadora Benedita Leite da Costa viajou do Litoral Norte a Peruíbe para compartilhar um pouco as experiências que vem acumulando durante toda sua vida. Embora as comunidades estejam geograficamente distantes, dividem os mesmos problemas.
“Está cada vez mais difícil para nós, caiçaras. Moramos num local muito afastado e os moradores queriam fazer um quiosque para atender melhor os turistas e não deixaram de jeito nenhum. Mas os empreendimentos chegam e fazem o que querem. Eles só nos chamam para conversar quando está tudo pronto, então a gente ouve e volta para a casa. Os peixes diminuíram muito porque é uma região em que fazem pesca industrial e não tem fiscalização. O que vai sobrar para gente? É nosso meio de sobreviver”, desabafou.
Na segunda parte do encontro, o antropólogo Rodrigo Ribeiro, pesquisador do Laboratório de Antropologia, Territórios e Ambientes (LATA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) falou um pouco sobre a pesquisa que vem desenvolvendo na Jureia e transmitiu uma visão do ponto de vista da Antropologia, ciência que estuda o ser humano.
Para ele, a pressão sobre os meios de vida tradicionais vem contribuindo cada vez mais para o deslocamento dos moradores das comunidades tradicionais para cidades próximas da Jureia, como Peruíbe, Iguape, Miracatu e Pedro de Toledo.
“A falta de consulta às comunidades dificultou a formação de um debate público amplo sobre a relação entre a conservação do território de grande importância ambiental e de comunidades que habitam há séculos essas terras, sem causar prejuízo. Há diversos exemplos de comunidades tradicionais que se apresentam como verdadeiros núcleos de pesquisa”, comentou.
A procuradora da República Dra. Maria Luiza Grabner pediu que apesar de todo o desânimo, as comunidades não deixem de participar e ocupar seus espaços legítimos, de participação. “Os direitos humanos foram conquistados aos poucos. É um processo lento no mundo inteiro, mas não podemos desistir. Se os nossos antepassados tivessem desistido nem estaríamos aqui. Começaremos a atuar na Jureia acompanhando esses debates e com demais parceiros para brigarmos pelos direitos das comunidades. É por meio da mobilização social que algumas coisas vêm mudando no Brasil”, disse.
Para o defensor público do Estado, Andrew Toshio Hayama, a melhor maneira de resolver os conflitos é de maneira extrajudicial, ou seja, sem a intervenção da justiça. Recomendou que as comunidades tenham capacidade de transformar o desânimo em ação. “O fato de a estação ecológica ter sido transformada numa RDS, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, não significa que está tudo resolvido. Ainda existem muitos moradores tradicionais em áreas de proteção integral. A relação entre territórios tradicionais e política ambiental no Brasil é de conflito, por isso a luta é permanente”. Fonte Observatório Litoral Sustentável.
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